sexta-feira, 2 de junho de 2017

AULA DE PORTUGUÊS DE HOJE


OBJETO DIRETO PREPOSICIONADO NO CÓDIGO CIVIL
Maria Tereza de Queiroz Piacentini *

Não está equivocada a redação do art. 229, inc. III, do novo Código Civil, que dispõe: “Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:
                    I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;
                    II - a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo;
                    III - que o exponha, ou ÀS pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato”.
Nesse caso não houve equívoco, não: a redação do inciso III acima está correta.

 A dúvida seria quanto ao fato de o verbo expor ser transitivo direto em relação a pessoa – o que está visível no início da frase [que o exponha] com o pronome oblíquo “o” – e no entanto aparecer um “às” diante de “pessoas referidas” quando se sabe que a preposição denota um objeto indireto. Se naquela oração se repetisse o verbo, o complemento pessoas não admitiria preposição: “que o exponha, ou que exponha as pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida etc.” Mas no inc. III o que temos é um objeto direto preposicionado, possibilidade prevista na língua portuguesa para algumas situações. Explico.

Sabemos que o objeto direto caracteriza-se por não vir preposicionado. Contudo, há exceções. Observemos, por exemplo, a frase O benefício atingiu os trabalhadores – entre o verbo e o objeto não há preposição, a qual todavia aparece nas construções a seguir:

O benefício atingiu a todos.

O benefício atingiu a quem?

O benefício atingiu a ambos os herdeiros.

O benefício atingiu a nós e não a vocês.

O benefício atingiu somente a José.

Tais frases estão corretas? Sim. Por uma questão de eufonia, é permitida a anteposição da preposição a ao objeto direto quando ele é constituído de palavras como todos, quem, ambos etc. Essas e as demais possibilidades são esquematizadas abaixo.

O objeto direto pode ser precedido de preposição:

1. Quando tem como núcleo nome personativo:
     Judas traiu a Jesus.

     Na escola aprendia-se a amar a Deus e à Pátria.

     Estimo a Leandro, meu sobrinho.

2. Quando se constitui de pronome pessoal tônico (neste caso, obrigatoriamente) ou dos pronomes todos, quem, outro, ninguém:
     O benefício atingiu a nós e não a vocês.   [Caso de pronome pessoal tônico. O átono seria: atingiu-nos]

     Não amou a ninguém; quis a todos; desejou a quem desdenhava.

     As mulheres deviam apoiar não só a mim mas a outras mulheres.

3. Quando é objeto direto o numeral ambos:
     A chuva molhou a ambas. 

     Vi a ambos no trem rumo a Salzburg.

4. Quando o objeto direto vem antecipado:
     Ao inimigo não se poupa.

     Ao cliente ele explora vergonhosamente. [Compare: Ele explora o cliente sem dó.]

5. Para evitar ambiguidade (mesmo que puramente teórica):
     Trata o rapaz como a um filho.  [Sem preposição a frase poderia ser interpretada assim: Trata o rapaz como um filho (trata o rapaz)].

6. Nas construções paralelas, quando não se repete o verbo:
     “Conheço-os e aos leais.”   [Compare: Conheço-os e conheço os leais.]

     Senhor diretor: devo avisá-lo e aos seus funcionários que o projeto está pronto.

     Os profissionais foram distribuídos por diferentes lugares, sem que se possa precisá-los e às datas.

* Maria Tereza de Queiroz Piacentini é Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros 'Só Vírgula', 'Só Palavras Compostas' e 'Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades' - www.linguabrasil.com.br.

Contato com este blog: jbmiquelao@uol.com.br


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