DEVANEIO
João Bosco Miquelão*
O virtual
“O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual.
Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o
complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma
situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um
processo de resolução: a atualização" (Pierre Levy, 1996).
O
lugar
“Não só é necessário duvidar sobre o que é o lugar,
mas também se ele existe” (Aristóteles, Física, L. IV, p.209).
O Outro
“ [...]o corpo do outro lhe é tão próximo como o
seu. Teria podido amá-lo da mesma forma que a ele mesmo antes que ele fosse
outro e que lhe seja tão próximo como o seu [...]”(Lacan, 1962).
Solilóquio eletrônico
Esta crônica é uma alegoria da manifestação do outro
- uma realidade enigmática - no interior do eu como o inconsciente, seja fora,
como o outro sedutor e traumatizante que se apresenta no processo de
constituição da subjetividade num ambiente virtual.
Prezado
eu
Escrevo-te
esta mensagem como o experimento de um novo paradigma - alguém conversando com
o outro.
Enviando
esta mensagem daqui e tu, recebendo-a daí. é uma ação dúplice que, antes de ser
reflexiva, no sentido gramatical, ela o é no sentido mais amplo da palavra,
carecendo de uma profunda reflexão.
Na
verdade não sei se quem fala (ou quem ouve) sou eu ou tu, mas não se pode
esquecer que, como diz o filósofo, a virtualização é um dos principais vetores
de criação da realidade.
As
pessoas não vão entender este diálogo. Monólogo? Pensarão em recomendar um
psiquiatra! Dirão que se trata de um leve distúrbio mental - um caso de dupla
personalidade - com a agravante de envolver uma figura virtual!
Nós
vivemos (ou seria eu vivo?) momentos de confusão e, às vezes, até de crises. Se
tu - eu, vives / vivo crise existencial, deprimido, eu - tu vivo / vives crise
virtual, comprimido...
Tu
ainda tens ruas com gente, a presença física de toda a família, pessoas para
conversar, coisas para fazer e dedos para contar até dez!
Eu,
preso nessa rede imensa, sendo repartido em bits, ora pra lá, ora pra
cá, num mundo sem fronteiras em que domina a velocidade.
Aqui
tudo é muito rápido, dura somente nanos - até o modo de contar, que começa de
zero e só vai até um!
Ora
tudo é muito pequeno – micro, mini... ou muito grande... giga, tera...E também
preciso e certo... menos a criptografia, que é incerta e assimétrica.
Não
existe distância física entre as pessoas, pois o tempo não é ordinário, e tudo
é resolvido em binário.
A virtualização, ainda como diz o filósofo, transforma a atualidade inicial em um caso particular de uma problemática mais geral, sobre a qual passa a ser colocada a ênfase ontológica.
Teu silêncio quase me desanima, pois daí não vêm respostas, o que me faz continuar perguntando, sempre perguntando...
A virtualização, ainda como diz o filósofo, transforma a atualidade inicial em um caso particular de uma problemática mais geral, sobre a qual passa a ser colocada a ênfase ontológica.
Teu silêncio quase me desanima, pois daí não vêm respostas, o que me faz continuar perguntando, sempre perguntando...
E se tu não fores o outro?
Sois
Vós o Outro? O que não recebe nem se manifesta?
Ando
confuso, repleto de incerteza racional, precisando de ajuda. Socorro! Inventem
rápido o [psico]analista de sistema!
Beijos
nas crianças.
Eu.
Fui!
* Cronista, revisor de textos
acadêmicos e tradutor. Autor do livro Plinia trunciflora e outras crônicas (Niterói:
Alternativa, 2016) – ISBN 978-85-63749-57-4).
Contato: jbmiquelao@uol.com.br